quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O Poeta é um Fingidor...



Aranha 

A aranha do meu destino
Faz teias de eu não pensar.
Não soube o que era em menino,
Sou adulto sem o achar.
É que a teia, de espalhada
Apanhou-me o querer ir...
Sou uma vida baloiçada
Na consciência de existir
A aranha da minha sorte
Faz teia de muro a muro...
Sou presa do meu suporte.

Análise do poema "Aranha"

Poema tardio de Fernando Pessoa, datado de 10/8/1932, a "Aranha" fala de coisas muito simples, ao menos se olhe com atenção para a vida do poeta.
A aranha do meu destino / Fez teias de eu não pensar. Quer Pessoa dizer que, por nunca ter pensado no seu futuro, teias de aranha ocuparam o espaço que na maioria dos homens é ocupado pela prevenção, pelo planeamento. Pessoa nunca planeou o seu futuro, só se preocupava pelo presente e - em certa medida - pelo passado.
A referência a uma aranha é - na minha opinião - uma subtil ironia à lenda grega das tecelãs do destino. Chamavam-se Moiras (os romanos chamavam-lhes Parcas) e eram três deusas que teciam o destino dos homens.
Pessoa faz referência a estas deusas em outras obras, nomeadamente em fragmentos inéditos dos seus dramas estáticos e no Livro do Desassossego.
Pessoa diz que a aranha (as deusas) não se preocuparam em tecer o seu destino. Por duas razões: por ele em criança já "ser adulto sem o achar", ou seja, ter crescido de repente contra a sua vontade; a segunda razão Pessoa diz ser a rede ter-lhe apanhado "o querer ir", ou seja, o próprio presente (agora já passado) impediu que ele tivesse o destino - o destino ficou preso por causa do que lhe aconteceu quando era criança.
Assim ficou Pessoa, "uma vida baloiçada", como uma mosca presa numa rede, viva e só à espera da morte para desaparecer. O estar preso na rede, com a "consciência de existir", é a sua pena pelo que lhe aconteceu.

Sem comentários:

Enviar um comentário