sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O Poeta é um fingidor.

Fernando Pessoa notabilizou-se pela produção de textos metalinguísticos, do qual o poema a seguir, é provavelmente o mais famoso e o melhor exemplo:
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só as que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

Este poema famosíssimo de Fernando Pessoa é muito pouco compreendido, talvez a sua fama se deva a uma falsa atribuição de que o seu charme está no mero jogo de palavras da primeira estrofe. Pior ainda é a pobre interpretação que alguns fazem, achando que a idéia básica do texto é a de que todo o poeta seria falso e mentiroso.
A riqueza do poema já se avalia pelo próprio título, que sugere a capacidade de escrever um texto que é ditado por um espirito ao mesmo tempo externo e interno. Parece estar aqui a idéia de heteronímia, como se Fernando Pessoa recebesse outros espiritos que são ele mesmo. Paradoxal, mas belíssimo.
Para compreender este poema de forma adequada, há que se entender que “fingidor” vem do verbo “fingir”, que significa não só “disfarçar, ser falso”, mas algo como “simular”. Neste sentido, está ligado à criação de outra realidade. É essa a idéia expressa aqui. O poeta é de facto um criador de realidades. Assim, o poeta finge sua dor, simula sua dor, ou seja, cria outra realidade. Noutras palavras: seus sentimentos, da área afectiva, são transformados em poesia. Poesia não é afectividade, mas um conjunto de palavras. Essa é a arte da ficção, da simulação: expressar, por meio de palavras, a dor, os sentimentos.
Nota: palavras não são sentimentos, mas uma simulação destes.
Dessa forma, fica mais fácil entender a segunda estrofe, em que se fala de três dores: as duas que o poeta teve (real e ficcional) e a que o leitor não teve, mas com a qual se depara no momento em que degusta o poema.
Interessante é notar as idéias da última estrofe, que fazem lembrar um tema muito caro a Fernando Pessoa. A emoção não está separada da razão. O coração, de acordo com “Autopsicografia”, entretém a razão, ou seja, a emoção é pensada, raciocinada. Noutros textos esse postulado gerará uma crise: até que ponto a emoção é pura, até que ponto é fruto do pensamento. O que sentimos não será fruto da imaginação. Parece que estamos entrando no mesmo caminho do célebre filme “Matrix”.
Extraordinário, como um poema que parece à partida de fácil leitura e interpretação é deveras de enorme talento, que só um grande poeta, como Fernando Pessoa seria capaz de o escrever, gostar de Fernando Pessoa é interpretá-lo e não apenas um conjunto de rimas e estrofes de qualidade máxima.


quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A Minha Primeira Obra...

Este primeiro trabalho nasceu a partir de uma longa pesquisa sobre a vida e obra de Anselmo de Andrade, último ministro da Fazenda, antes da implantação da República, em 1910. Foi um enorme talento do pensamento económico português e figura de destaque da chamada "Geração de 70", onde figuram nomes de grande prestígio, como Eça de Queiróz, Antero de Quental, entre outros. Licenciado em Direito, o seu grande amor foi a economia e o jornalismo e mais tarde a política, onde foi sempre uma figura polémica devido às suas convicções para implantar uma economia forte e estável no país, onde a justiça social fosse uma marca na sociedade portuguesa. Este primeiro Tomo, pretende ser o trabalho inicial, de uma vasta obra sobre a História do Pensamento Económico Português, onde figuram grandes intelectuais do século XIX e XX, marcantes do desenvovimento da economia portuguesa e porventura menos conhecidos dos cidadãos. Nesta fase não posso ainda divulgar os restantes pensadores e economistas, pois tudo terá ainda que ser ponderado, analisado e sobretudo equacionado com os interessados na sua publicação. Existem já algumas abordagens, junto de editoras, mas como tudo na vida, a "batalha" é difícil, principalmente para quem é um nome completamente desconhecido da literatura portuguesa, e tratando-se de publicações muito históricas e não comerciais, as dificuldades são acrescidas. Mas afinal como nasce uma obra assim?

Aos Amigos...

Um dia a maioria de nós irá separar-se.
Sentiremos saudades de todas as conversas
jogadas fora,
das descobertas que fizemos, dos sonhos
que tivemos, dos tantos risos e
momentos que partilhamos.
Saudades até dos momentos de lágrimas, da
angústia, das vésperas dos finais de semana, dos finais de ano, enfim…
do companheirismo vivido.
Sempre pensei que as amizades
continuassem para sempre.
Hoje não tenho mais tanta certeza disso.
Em breve cada um vai para seu lado, seja
pelo destino ou por algum
desentendimento, segue a sua vida.
Talvez continuemos a nos encontrar, quem
sabe…nas cartas que trocaremos.
Podemos falar ao telefone e dizer algumas
tolices…
Aí, os dias vão passar, meses…anos… até
este contacto se tornar
cada vez mais raro.
Vamo-nos perder no tempo….
Um dia os nossos filhos verão as nossas
fotografias e perguntarão:
“Quem são aquelas pessoas?”
Diremos…que eram nossos amigos e……
isso vai doer tanto!
“Foram meus amigos, foi com eles que vivi
tantos bons anos da minha vida!”
A saudade vai apertar bem dentro do peito.
Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes
novamente……
Quando o nosso grupo estiver incompleto…
reunir-nos-emos para um último
adeus de um amigo.
E, entre lágrima abraçar-nos-emos.
Então faremos promessas de nos encontrar
mais vezes daquele dia em diante.
Por fim, cada um vai para o seu lado para
continuar a viver a sua vida,
isolada do passado.
E perder-nos-emos no tempo…..
Por isso, fica aqui um pedido deste humilde
amigo: não deixes que a vida
passe em branco, e que pequenas
adversidades sejam a causa de grandes
tempestades….
Eu poderia suportar, embora não sem dor,
que tivessem morrido todos os
meus amores, mas enlouqueceria se
morressem todos os meus amigos!

O Poeta de TODOS OS TEMPOS


NAS PRAÇAS
Nas praças vindouras — talvez as mesmas que as nossas —
Que elixires serão apregoados?
Com rótulos diferentes, os mesmos do Egipto dos Faraós;
Com outros processos de os fazer comprar, os que já são nossos.

E as metafísicas perdidas nos cantos dos cafés de toda a parte,
As filosofias solitárias de tanta trapeira de falhado,
As ideias casuais de tanto casual, as intuições de tanto ninguém —
Um dia talvez, em fluido abstracto, e substância implausível,
Formem um Deus, e ocupem o mundo.
Mas a mim, hoje, a mim
Não há sossego de pensar nas propriedades das coisas,
Nos destinos que não desvendo,
Na minha própria metafísica, que tenho porque penso e sinto.

Não há sossego,
E os grandes montes ao sol têm-no tão nitidamente!

Têm-no? Os montes ao sol não têm coisa nenhuma do espírito.
Não seriam montes, não estariam ao sol, se o tivessem.

O cansaço de pensar, indo até ao fundo de existir,
Faz-me velho desde antes de ontem com um frio até no corpo.

E por que é que há propósitos mortos e sonhos sem razão?
Nos dias de chuva lenta, contínua, monótona, uma,
Custa-me levantar-me da cadeira onde não dei por me ter sentado,
E o universo é absolutamente oco em torno de mim.

O tédio que chega a constituir nossos ossos encharcou-me o ser,
E a memória de qualquer coisa de que me não lembro esfria-me a alma.
Sem dúvida que as ilhas dos mares do sul têm possibilidades para o sonho,
E que os areais dos desertos todos compensam um pouco a imaginação;
Mas no meu coração sem mares nem desertos nem ilhas sinto eu,
Na minha alma vazia estou,
E narro-me prolixamente sem sentido, como se um parvo estivesse com febre.
Fúria fria do destino,
Intersecção de tudo,
Confusão das coisas com as suas causas e os seus efeitos,
Consequência de ter corpo e alma,
E o som da chuva chega até eu ser, e é escuro.

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa