Boiam leves, desatentos,
Boiam leves, desatentos,
Meus pensamentos de mágoa
Como, no sono dos ventos,
As algas, cabelos lentos
Do corpo morto das águas.
Boiam como folhas mortas
À tona de águas paradas.
São coisas vestindo nadas,
Pós remoinhando nas portas
Das casas abandonadas.
Sono de ser, sem remédio,
Vestígio do que não foi,
Leve mágoa, breve tédio,
Não sei se para, se flui;
Não sei se existe ou se dói.
ANÁLISE AO POEMA:
Os poemas que Pessoa reuniu no que seria o seu Cancioneiro, eram poemas para serem cantados, mas só por isso não eram poemas menores, pelo contrário. Pensava Pessoa encontrar nesse modo de comunicar a poesia, um forte elo entre o sentimento e a compreensão.
Uma característica de Pessoa ortónimo é um sentimento de leveza e tédio, um sentimento existencialista que precede em si mesmo o existencialismo de Sartre por dezenas de anos, mas em que transparece a mesma angústia de viver e o desespero por procura de significados que encontramos tão profundos na "Náusea" do mestre francês.
O texto que refere é um exemplo perfeito para ilustrar um tema muito querido a Pessoa, que o aproximou também por intermédio de Bernardo Soares, o autor tardio do Livro do Desassossego - o tédio de existir. Este tédio está muito perto de ser a náusea, o sentimento de nojo de ser que Sartre sente ao caminhar pelo nevoeiro na noite da cidade, vendo as sombras indistintas dos prédios e dos outros homens. Afinal é uma aproximação a um tema absurdo - a análise da vida humana e do seu significado.
Vejamos o texto mais perto: "Boiam leves, desatentos / Meus pensamentos de mágoa / Como, no sono dos ventos, / As algas, cabelos lentos / Do corpo morto das águas."
Veja-se como Pessoa inicia por estabelecer um cenário morto, parado no tempo, em que ação e o rebuliço do mundo se confronta com o absurdo de o pensar. Os pensamentos são a realização que existe um mundo que não é feito só de pensamentos.
Os pensamentos, esses, "Boiam como folhas mortas (...) / São coisas vestindo nadas". São inconsequentes, irreais, porque absurdos, porque querem intervir no mundo e afinal não passam de devaneios sonhadores, sem força, sem consistência de realidade. Pelo menos sem consistência aparente, perante a avassaladora força do mundo exterior, que os esmaga e suprime.
É o próprio Pessoa que nos esclarece na conclusão. Os pensamentos são "Sono de ser, sem remédio / Leve mágoa, breve tédio,". Apenas um estado contemplativo, que "Não sei se existe ou se dói." Afinal é essa a verdade sobre as suas ideias, a sua consciência de ser diferente dos outros homens - é o que o diferencia e o torna mais nobre, é também um distanciamento.
Mais do que um estado depressivo, o poema passa uma ideia de nobre aceitação do destino absurdo do homem, perante uma realidade que o assola como um fantasma e o torna sem carne, um monstro sem escape perante a sua prisão-mundo.
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