Sonho. Não Sei quem Sou
Sonho. Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma.
Se existo é um erro eu o saber. Se acordo
Parece que erro. Sinto que não sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.
Não tenho ser nem lei.
Parece que erro. Sinto que não sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.
Não tenho ser nem lei.
Lapso da consciência entre ilusões,
Fantasmas me limitam e me contêm.
Dorme insciente de alheios corações,
Coração de ninguém.
ANÁLISE DO POEMA
O poema "Sonho. Não sei quem sou" de Fernando Pessoa, pertencia ao seu cancioneiro e é um poema ortónimo datado de 6/1/1923.
"Trata-se de um período algo conturbado da vida do poeta, que se vê envolvido com a censura da época, por causa de alguns livros publicados pela editora que fundou – a Olissipo.
No entanto, percorrem o poema temas universais queridos a Fernando Pessoa, nomeadamente o tema do abandono e da solidão, a confusão entre o sonho e a realidade, entre o que sonhado e o real, entre o agora e o futuro.
No entanto, percorrem o poema temas universais queridos a Fernando Pessoa, nomeadamente o tema do abandono e da solidão, a confusão entre o sonho e a realidade, entre o que sonhado e o real, entre o agora e o futuro.
"Sonho. Não sei quem sou neste momento. / Durmo sentindo-me. Na hora calma / Meu pensamento esquece o pensamento, / Minha alma não tem alma." - Conseguimos imaginá-lo sentado no seu quarto na Rua Coelho da Rocha (hoje Casa Fernando Pessoa e onde vivia já em 1923), provavelmente à noite pois é quando mais escrevia, a olhar silencioso para o infinito do papel, talvez de pé.
Tentando sair da sua condição diz que sonha. Assim se perde da sua identidade redutora. A sua sonolência em relação à sua identidade – tema marcante da sua poesia - traz-lhe um "pensamento que esquece o pensamento". Quer dizer que sonhando-se deixa de pensar - quer ser todo ele sonho e dormência. Nem alma deseja ter.
"Se existo é um erro eu o saber. Se acordo / Parece que erro. Sinto que não sei. / Nada quero nem tenho nem recordo. / Não tenho ser nem lei." - Tão profundo se deixa cair no esquecimento que a vida mesma lhe parece um erro, um erro pelo menos ele saber dela. Todo ele é um nada, que assume que não tem desejos (nada quer), nem recordações, nem sequer destino (nem ser, nem lei).
"Lapso da consciência entre ilusões, / Fantasmas me limitam e me contêm.
Dorme insciente de alheios corações, / Coração de ninguém." - O seu pensamento é-lhe como uma falha do coração, um interstício sem sentido. E o seu lamento em direcção a si próprio serve de conclusão ao seu dramático e elaborado pensamento nocturno – por muito dormente também claro e branco - dizendo que vive dentro de si um coração abandonado por todos, alheio a todos os outros corações, “corações de ninguém”.
Dorme insciente de alheios corações, / Coração de ninguém." - O seu pensamento é-lhe como uma falha do coração, um interstício sem sentido. E o seu lamento em direcção a si próprio serve de conclusão ao seu dramático e elaborado pensamento nocturno – por muito dormente também claro e branco - dizendo que vive dentro de si um coração abandonado por todos, alheio a todos os outros corações, “corações de ninguém”.
Verdadeira canção de abandonado, sem no entanto nunca ser completamente triste e angustiada, os versos deste poema-canção revelam bem do que ia por dentro da alma de Fernando Pessoa adulto, já consciente da sua vida, já deixado apenas aos projectos pessoais, à sua obra. Tinha quebrado a sua relação com Ophélia Queiroz em 1920 e desde então tornara-se, mesmo segundo as palavras da sua namorada, mais frio e fechado, mais abandonado em si mesmo.
Eis afinal como as palavras se revelam como um espelho para a alma deste homem complexo, mas poucas vezes realmente complicado de ler. Era afinal humano e as suas frases, mesmo que difíceis de interpretar, vertem apenas a emoção de um homem triste, deixado sozinho, metade por opção sua, metade por opção do destino que assim tinha desenhado a sua vida.
Eis afinal como as palavras se revelam como um espelho para a alma deste homem complexo, mas poucas vezes realmente complicado de ler. Era afinal humano e as suas frases, mesmo que difíceis de interpretar, vertem apenas a emoção de um homem triste, deixado sozinho, metade por opção sua, metade por opção do destino que assim tinha desenhado a sua vida.
Sem comentários:
Enviar um comentário