Esta Velha Angústia
Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.
Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.
Um internado num manicómio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicómio sem manicómio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim...
Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.
Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo? Estala, coração de vidro pintado!
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.
Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.
Um internado num manicómio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicómio sem manicómio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim...
Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.
Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo? Estala, coração de vidro pintado!
Análise do Poema
Este poema de Álvaro de Campos fala de uma angústia intensa sentida pelo poeta. A angústia não é nele um sentimento concreto, mas um sentimento diluído e avassalador que ele transporta há muito tempo (a hipérbole é evidente, na expressão "há séculos em mim"). É uma angústia pela vida que ele leva, que o põe na beira do desespero, mas um desespero interior, repetitivo e inconsequente.
Ou seja, o seu estado de tristeza não é um degrau para a mudança para melhor, mas um lamento triste, uma ladainha comiserada e pobre, um choro baixinho. Lamentando-se o poeta sente-se de alguma forma melhor na sua condição, porque a assume plenamente e faz da sua tristeza algo superior, como se ele fosse todo apenas isso e nessa condição explana-se agora melhor a sua dimensão humana num outro plano desconhecido.
Para passar esta mensagem: repetitiva, soturna, doente, louca, dominada pela depressão, Campos usa diversos recursos estilísticos, mas eu destacaria a hipérbole (séculos em mim) e a anáfora (em lágrimas, em sonhos, em grandes...). A repetição, sobretudo pelo uso de anáfora, dá aquela impressão de loucura subjacente, de alguém que louco, se balouça para à frente e para trás, só porque não sabe bem para onde ir – um verdadeiro e pleno desespero, mas parado e solene.
Passando pela memória da infância perdida – o exemplo perfeito do que já não pode ser e que está perdido para sempre – o poeta caminha no poema de acordo com o seu desespero e o seu caminho é angustiante como o titulo do mesmo. A sua vida, o seu percurso de vida, vê-o marcado pela loucura, talvez por causa das ideias que tem mas que nunca se concretizam – afinal o que é um louco muitas vezes senão apenas um génio sem aplicação prática na vida?
Estou doido/estou lúcido/estou alheio – diz Campos. A anáfora passa-nos pela alma e reforça a condição perdida do poeta.
Estou doido/estou lúcido/estou alheio – diz Campos. A anáfora passa-nos pela alma e reforça a condição perdida do poeta.
Tudo culmina nas duas últimas estrofes. Campos começa por recordar novamente a velha casa da infância. "Pobre e velha" – a hipérbole leva Campos a maximizar a sua dor, de preferir um passado mais pobre a um presente angustiado, mesmo que mais rico.
O uso da interrogação de modo repetitivo reforça novamente o desespero. Novamente anáfora. E depois parece uma anadiplose – Quem de quem fui? - que perpassa um discurso quase desconexo.
Na última estrofe, a esperança numa solução ilusória ao desespero, à angústia. "Ao menos tivesse uma religião". O uso da hipérbole é novamente evidente – feiíssimo, grotesco. Ai também uma elipse, porque Campos se refere ao tal manipanso sem o nomear.
Acaba com uma metáfora simples: coração de vidro pintado. Um desejo subtil de morte pela ideia de um coração fraco e delicado, de vidro pintado, que Campos deseja que estale para que tudo acabe finalmente, para que o seu sofrimento pare.
Acaba com uma metáfora simples: coração de vidro pintado. Um desejo subtil de morte pela ideia de um coração fraco e delicado, de vidro pintado, que Campos deseja que estale para que tudo acabe finalmente, para que o seu sofrimento pare.
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