Trajectória de Vida
Este segundo grupo de questões, é de extrema importância para percebermos quais foram os grandes motivos, as dificuldades ou as relações estabelecidas que levaram os indivíduos a tornarem-se dependentes do álcool, é este mecanismo social que interessa à sociologia compreender.
Na primeira questão, parece óbvio que existem factores culturais que levaram estes indivíduos a terem contacto com o álcool ainda muito novos, alguns impulsionados pelos próprios pais, como afirmam dois dos entrevistados:
“O meu primeiro contacto com o álcool, foi talvez aí aos oito anos, a minha mãe dava-me “sopas de cavalo cansado”, também me dava cerveja com gemada, aquelas coisas fortes.”
(Entrevista Nº 7)
“Os meus pais emigraram para França e logo aí começou, que eu me lembro, em tenra idade, os primeiros contactos com a bebida alcoólica. Através das sopas, as famosas sopas de “cavalo cansado”
(Entrevista Nº 2)
Outras situações existem em que é evidente a pouca atenção que os próprios pais davam ao consumo de bebidas alcoólicas, levando os filhos a verem com regularidade o consumo de álcool, de uma forma mais ou menos leviana:
“Os meus hábitos de consumo começaram bastante novo, era eu que ia buscar o vinho ao meu pai também, à taberna. E na realidade, no percurso taberna/casa, tinha uma certa tendência para meter a garrafa à boca e beber.”
(Entrevista Nº 3)
Mas avancemos com a análise; as questões seguintes, já pretendiam saber como é que se desenvolveu a dependência alcoólica, em que idade e quais os factores que a desencadearam. Sobre estes aspectos, temos uma diversidade de situações, que poderão não ter propriamente a ver com o consumo regular que alguns já tinham, mas sim com acontecimentos que vieram alterar profundamente os níveis de consumo.
Um caso flagrante acontece com um indivíduo, que já sendo consumidor de álcool e mesmo de droga, alterou os seus hábitos alcoólicos, quando a pressão sobre ele aumentou ao pertencer a uma banda rock, como ele próprio afirma:
“Mais tarde é que se complicou, com vinte e dois anos, queria mais era tocar Rock-and-Roll, e isso acarreta logo uma sobrecarga tremenda, as pessoas é que julgam que estar a tocar é tudo muito fácil, cansa, é uma grande entrega, que uma pessoa tem que dar, e acaba por ser esgotante a nível emocional, e eu refugiava-me muito nestas coisas, e as pessoas sempre a dizer-me, “Oh Pedro toca mais uma”, e chegou a uma altura que eu já não conseguia tocar. Andei mais uns tempos, sempre a beber, sempre a beber.”
(Entrevista Nº 6)
Mas a situação mais flagrante, de como alguém pode entrar na dependência alcoólica devido a um acontecimento, é o caso de uma mulher, que nunca tinha bebido, até que aos trinta e sete anos, algo aconteceu que lhe modificou a vida toda:
“E nessa altura, eu tinha trinta e sete anos, ele meteu uma tia dele dentro da minha casa, uma pessoa que eu só tinha visto uma vez… Até que um dia estávamos a comer caldeirada de pargo, e eu estava naqueles dias não, e o meu marido disse-me bebe uma pinga de vinho que até cai bem com a comida e isto anima-te. Eu estava tão coisa, que pensei, mal também não faz, eu nunca bebi isto, deixa lá ver o gosto. O que é facto é que depois do almoço senti-me com mais coragem para entrar no quarto da velha, e comecei-me a aperceber-me que cada vez que eu bebia, era para arranjar coragem, aliás não era coragem, aquilo até era uma falsa coragem, eu hoje vejo isso.
E foi aí que eu comecei a beber, uma filha já com quinze anos, outra com onze…”
(Entrevistas Nº 5)
A outra pessoa de sexo feminino, embora fosse uma consumidora regular de bebidas, mais cerveja, também por volta dos trinta e sete anos, algo lhe fez aumentar o consumo de álcool, até à sua dependência, diz ela:
“…agora a primeira vez que eu bebi quase uma garrafa cheia de Martini, foi na minha fase do divórcio, porque não é que eu gostasse daquilo, aliás eu não gosto, é incrível mas eu não gosto do sabor do álcool, eu era mesmo só para o efeito.
Foi em 2001, eu tinha trinta e três anos, portanto foi o divórcio e foi aquele fulano com quem eu vivi.”
(Entrevista Nº 7)
Outro caso de consumos motivados por acontecimentos marcantes na vida, foi o caso do entrevistado nº 1, que desencadeou a dependência, quando foi para a tropa, ele próprio diz:
“Não sei se para justificar a ausência da família dos amigos ou propriamente o isolamento em que me encontrava, o stress motivado pela própria guerra em si, porque eu estive numa zona operacional a cem por cento, levaram-me a beber, a consumir bebidas alcoólicas exageradamente, sem ter a noção que isso estava efectivamente a ser um perigo para a minha saúde e para a minha vida futura.”
(Entrevista Nº 1)
Outras situações houveram, que motivaram o consumo em excesso de álcool, por exemplo aquele jovem que para deixar a droga, aumentou o consumo de álcool, diz ele:
“Com cerca de dezanove anos, porque a minha saúde ía ficando cada vez mais deteriorada, fiz um tratamento para deixar a droga, uma desintoxicação, foi uma coisa a sério, passei noites e noites terríveis, mas consegui, no entanto foi-se a droga, ficou o álcool. Mais ou menos entre os dezanove, vinte anos, até aos meus vinte e cinco, vinte seis, estive completamente dependente do álcool, consumia tudo, não queria saber se era branco ou tinto, porque pensava, “Não me drogo, ao menos bebo”, foi também uma fase muito má, porque quem me conhecia, não sabia muitas vezes se estava bêbado ou drogado, as pessoas de fora não percebem.”
(Entrevista Nº 8)
Avançando nesta trajectória de vida, questionou-se quais as perspectivas que os indivíduos tinham, quando consumiam álcool excessivamente, e as respostas foram em quase todos os casos muito semelhantes. Se não vejamos:
“Bebia essencialmente para esquecer e conseguir lidar com aquela vida, em que sentia, que a qualquer momento podia acabar.”
(Entrevista Nº 1)
“…e o álcool para mim representa uma espécie de fuga, porque se eu bebo, é só para esquecer.”
(Entrevista Nº 5)
“Portanto quando bebia com os meus amigos, a perspectiva que tinha do álcool, era de divertimento, de amizade, e também para esquecer alguns problemas que fui tendo, nomeadamente financeiros e com a minha segunda mulher.”
(Entrevista Nº 9)
Poderíamos retirar mais alguns depoimentos, mas a homogeneidade seria esta, o álcool é uma fuga e um refúgio para não enfrentar a realidade e as contrariedades da vida.
Finalmente e para acabarmos este nosso trajecto de vida, questionaram-se as consequências. Como foi? O que se perdeu? Vejamos:
“Talvez por isso e porque não acompanhava muito de perto o negócio, a loja cada vez facturava menos, e mais tarde acabámos mesmo por fechar a Loja.”
(Entrevista Nº 4)
“…começaram a surgir os problemas do tribunal para eu pagar dívidas, e as coisas começaram a ficar pior… porque daí nasceram desobediências a tribunais, e outras coisas do género, porque eu não aparecia a julgamentos, não aparecia a convocatórias do tribunal e tudo isso, por força das circunstâncias, e acabei por me degradar socialmente e familiarmente.”
(Entrevista Nº 1)
“Fiquei com a minha vida totalmente arruinada, em termos financeiros, também tive a ajuda do outro senhor, ele deixou-me 1.500 contos para pagar…fiquei monetariamente pelas ruas da amargura, quase perdi o meu emprego, também pouco mais do que isso tenho. Quer dizer, perdendo o emprego, não pagando as dívidas que devia da casa, sei lá, penhoravam-me os bens, ficava sem nada, até os desgraçados dos meus animais que eu adoro, os ía perder”
(Entrevista Nº 7)
As mazelas neste tipo de situações são enormes, passam muitas vezes pela ruína total, até à perda dos próprios familiares e amigos, é uma paragem no tempo, que muitas vezes é irrecuperável.
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