terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A Minha Tese: Percursos e Representações sobre o Consumo Excessivo de Álcool: Um Estudo Exploratório na Grande Área de Lisboa - METODOLOGIAS E TÉCNICAS DE PESQUISA

      Entrevistas Exploratórias

Uma das instituições que recebe mais indivíduos alcoólicos, na grande área de Lisboa, é o Hospital Miguel Bombarda, que tem uma valência própria para o efeito, desde a simples consulta até ao internamento, desintoxicação e acompanhamento dos doentes recuperados.
O facto destas instituições abarcarem uma grande diversidade de população, e tratando-se de uma instituição pública, limita de certa forma uma camada de consumidores excessivos, cujo nível social é mais elevado.
Entrevistei a Directora do Serviço de Alcoologia, a Dra. Teresa Mota, que se disponibilizou para falar da instituição, do seu funcionamento, do apoio que é dado e mais do que tudo isso, da sua experiência com indivíduos em que o consumo de álcool é o seu primeiro motivo de vida.
Em termos de instituição, a recepção destes indivíduos dá-se por várias formas, desde o encaminhamento pelos clínicos gerais, acordos com entidades patronais, como é o caso da Carris, que por razões óbvias, os seus trabalhadores têm de manter graus de abstinência elevados, até ao simples “boca a boca”, onde o indivíduo se inscreve, basicamente, para obter uma primeira consulta da especialidade.
O internamento é estruturado em quatro semanas. Após a desintoxicação física, que é a mais fácil, há que tratar da “parte psicológica e reinserção social, normalmente a mais complicada, onde eles por vezes, já perderam os empregos, a família, divórcios ou abandonos, caindo em situações de “sem abrigo”, são realmente quadros difíceis e os recursos são escassos”.
Saliento também o facto de que embora apareçam mais homens do que mulheres, nota-se um aumento significativo de mulheres, sendo o seu perfil totalmente distinto, pois os homens são mais conformados com a bebida, a mulher “é um beber envergonhado, bebe dentro de casa, o vinho da culinária, às escondidas, pelo que normalmente chegam muito mais sem apoios, e pior que o homem, chegam fisicamente mais debilitadas, em virtude da sua massa corporal ser menor, ou seja, são mais sensíveis aos efeitos nocivos do álcool”.
Quanto às idades, a faixa mais habitual é entre os trinta e quarenta anos, embora apareçam jovens dos dezassete, dezoito anos, “o que é assustador, embora nesses casos, seja muito raro um alcoolismo já com dependência, é raro, se atendermos que começam a consumir aos catorze, quinze anos, é muito difícil aos dezoito, dezanove anos, já estarem numa dependência muito grande, mas acontecem, especialmente se forem pessoas da região norte, que começam com as “sopas do cavalo cansado"[1], e chegam-nos completamente dependentes, aos dezanove anos”.
No que respeita ao tipo de profissões, devido à localização do Hospital Miguel Bombarda, “a grande maioria são pessoas da construção civil, muitas pessoas da hotelaria, são profissões de risco, aparecem alguns licenciados, mas as pessoas com um maior poder económico vão para clínicas, não se voltam para aqui, embora apareçam algumas profissões com diferenciação, mas de facto a grande maioria, são indivíduos da construção civil e hotelaria”.
Para a realização do meu trabalho, interessou-me questionar, se estes indivíduos têm alguma dificuldade em contar as suas histórias de vida. E neste aspecto a entrevistada foi peremptória, “ quando realmente admitem que têm um problema, e pedem ajuda, contam com alguma facilidade as histórias de vida. Há muitas histórias dramáticas.”.
O Hospital Miguel Bombarda, recebe todo o tipo de alcoólicos, mesmo aqueles que porventura possam chegar com outro tipo de doença. Neste caso, são encaminhados para enfermarias específicas. “Não há motivo nenhum para não se receber um esquizofrénico que também beba bebidas alcoólicas em excesso, desde que ele na parte psicótica esteja compensado”.
O Hospital tem psicólogos que seguem semanalmente ou mensalmente os doentes recuperados, há grupos de auto-ajuda pós-alta, onde são preparados para lidar com a abstinência, o desejo de voltar a consumir álcool e a própria reinserção social.
Em conclusão é muito interessante a sua posição sobre o consumo excessivo de álcool, “o alcoolismo apresenta por vezes grandes dificuldades de tratamento, porque é uma droga culturalmente aceite, faz parte da nossa cultura, somos um país produtor, toda a gente bebe, é fácil, é barato, é acessível. Existe muita publicidade enganosa, que nos mostra gente feliz a beber álcool, desinibida e rodeada normalmente de gente bonita, tudo factores interessantes que motivam as pessoas a beber álcool, é de facto dramático, e se numa primeira fase, descontrai, os seus efeitos, depois, são muito graves”.

Uma segunda instituição onde incidiu o estudo, foi o CRAS – Centro Regional de Alcoologia do Sul, talvez o mais emblemático de Lisboa, construído com subsídios da Calouste Gulbenkian, e gozando de perfeita autonomia em relação aos hospitais psiquiátricos, outrora responsáveis também pela valência de alcoologia.
Abarca uma área que vai desde Lisboa e Vale do Tejo, até ao Algarve, passando pelo Alentejo. Esta instituição não tem serviço de urgência, apenas consultas externas e internamento.
Entrevistei a responsável do Centro, a Dra. Ana Vieira da Silva, que a este respeito me disse, “O internamento tem uma componente de desintoxicação física, mas basicamente, tem uma parte importante de trabalho psicológico, os doentes têm de cumprir as tarefas terapêuticas, têm de assistir às palestras, aos grupos terapêuticos, saem para reuniões de alcoólicos anónimos, em grupos de três e são responsáveis uns pelos outros”.
Qualquer indivíduo que chegue com outro tipo de doenças que possa pôr em risco os restantes, não poderá ser recebido, como foi salientado, “Casos graves de descompensação física não podem vir para cá. Tuberculoses, desde que as pessoas estejam em tratamento, que não estejam em fase contagiosa, recebemos, de outra forma não”.
Quanto ao facto da existência de mais mulheres ou homens consumidores de bebidas alcoólicas, a posição da Dra. Ana Vieira da Silva, é muito clara, quando afirma, “Hoje em dia, eu penso que essas diferenças se esbateram muito, nós vemos nas mesas dos cafés, as mulheres a beber da mesma forma, o que não se via dantes. Provavelmente a emancipação das mulheres também foi paras as coisas más, o tabaco e o álcool…”.
Quanto à média de idades, como o CRAS é um serviço exclusivamente para adultos, não recebe adolescentes, pelo que, “maioritariamente é na casa dos quarenta anos…”.
A forma mais frequente destes indivíduos chegarem ao CRAS, é, “…pressionados pelas famílias, local de trabalho, muita gente também pelos serviços sociais, médico de família, ou até mesmo pelo rendimento de inserção social, que algumas vezes tem uma cláusula que para atribuição do rendimento têm que fazer um tratamento nesta área…”.
Quanto a recaídas e a posterior acompanhamento deste doentes após o internamento, a Dra. Ana Vieira da Silva, foi peremptória, “A recaída também faz um bocadinho parte da própria doença, as recaídas fazem parte da história clínica de muitos doentes”.
Quanto ao acompanhamento, normalmente os técnicos que o fazem têm perfeita percepção de quando os indivíduos começam a deixar de frequentar as reuniões, começa a haver indicadores de que se está a preparar uma recaída. No entanto, no CRAS, dizem-nos “Não temos o hábito, nem sequer achamos que seja correcto fazê-lo, quando as pessoas faltam, telefonar a saber o que se passou”.
Finalmente, questionei a entrevistada sobre o que faz efectivamente as pessoas consumirem excessivamente álcool, e de imediato obtive a seguinte resposta, “esta é uma das questões mais difíceis de explicar”. No entanto adianta, Provavelmente a parte que tem um peso maior são os factores ambientais e muito, a disponibilidade do álcool, numa sociedade como a nossa, em que tudo é motivo para consumir, se estamos contentes, bebemos para comemorar, se estamos tristes, bebemos para nos alegrar, e portanto todos os nossos rituais são ligados ao consumo de álcool. Depois devem ser raras as famílias em Portugal, que não consomem diariamente álcool, portanto todas as nossas crianças estão habituadas a ver, o consumo de álcool”.
A responsável do CRAS, embora considere o alcoolismo como pertencente ao grupo de doenças primárias, ou seja, se a pessoa nunca beber, nunca desenvolverá a doença, elege os factores ambientais como os principais desencadeadores do consumo e dependência alcoólica, embora no caso das mulheres, diga, “…embora algumas pessoas recorram ao álcool como anti-depressivo, para se libertarem, sobretudo as mulheres, mas como o álcool também contribui para a depressão, entra-se aqui no círculo vicioso”.
Faz no entanto uma clara distinção entre os consumidores mais velhos e os novos consumidores, pois enquanto os mais velhos unicamente consumiam bebidas alcoólicas, os mais jovens já são poli-consumidores ou utilizam o álcool em substituição de outras substâncias.

Finalmente, a terceira instituição escolhida, foi a Casa de Saúde do Telhal, uma instituição privada, pertencente à Ordem Hospitaleira de São João de Deus. Foi seu fundador o Dr. Pompeu e Silva, que também impulsionou e trabalhou no Centro Regional de Alcoologia do Sul (CRAS).
A Casa de Saúde do Telhal tem várias valências, sendo a área de alcoologia assegurada pela Clínica Novo Rumo.
Esta Clínica tem algumas especificidades próprias, conforme salientou a Dra. Margarida Neto, que começou por dizer, “A entrada é feita em grupos, até há uns anos atrás era individual, agora vai-se constituindo grupos até dez doentes, a partir da consulta externa, a entrada por grupos permite o desenrolar do nosso programa de tratamento, que é um programa biopsico-social, com intervenções de vários técnicos”.
Quanto ao acompanhamento pós alta, após as quatro semanas de tratamento é feito durante três anos nas consultas externas, “com um incentivo grande na vinda às consultas, as consultas são gratuitas, nós não somos do Estado, portanto o internamento é pago pelo Serviço Nacional de Saúde, mas as consultas externas são pagas à parte, no entanto no primeiro ano a seguir ao internamento e por encorajamento da casa, são gratuitas, para que não haja esse obstáculo, do desaparecimento das pessoas”.
Tal como no CRAS, os internamentos são sempre efectuados a partir das consultas externas, sendo os seus critérios iguais aos que outros têm em relação ao álcool, “… a gravidade, tendências suicidas, conflitos familiares graves”.
Quanto à diferença entre homens e mulheres, a Dra. Margarida Neto é peremptória, “Há uma subida impressionante no número de mulheres, posso dizer que temos uma enfermaria só de mulheres. Há mais consulta do que internamentos de mulheres, as mulheres têm mais dificuldade em serem internadas, existe muitas vezes os filhos, o marido, etc., mas tem sido uma subida exponencial, impressionante”.
Quanto à média de idades, refere que esta tem vindo a descer, mas tal como no CRAS, são uma instituição para adultos e por isso não recebem indivíduos com idades inferiores a dezoito anos.
Com respeito aos indivíduos consumidores “sem abrigo”, refere que “… acontecem mais no estado, entram pela urgência, nós aqui não temos urgência, para virem à consulta têm que pagar. Os que recebem não os consideramos “sem abrigo”, porque podem ser quando aqui chegam, mas nós não internamos doentes para quem não exista um projecto de saída, portanto até podem vir da rua, mas ao chegarem aqui e ao se determinar o internamento, deixa de ser um “sem abrigo”, porque a gente sabe para onde vai quando sair daqui, nunca dei uma alta para um doente ir para a rua”.
Tal como noutros centros de alcoologia, a maioria não têm emprego, estão com a família ou amigos e se tiverem outro tipo de doença que ponha em causa os restantes elementos, não podem ser recebidos, sem antes se tratarem.
Como já foi referido, o seguimento destes indivíduos após alta, é feito em consultas externas, durante três anos. No entanto e ao contrário do CRAS, por vezes telefonam para aqueles que deixam de aparecer às consultas.
Finalmente, também a Dra. Margarida Neto, elege os factores culturais para o consumo de álcool, diz, “É uma cultura favorável ao álcool, são hábitos que permanecem de infância e adolescência, a pressão dos pares e as questões emocionais, as depressões sobretudo”, e acaba dizendo, “A maior toxicodependência em Portugal é o álcool, mas anda tudo preocupado com a heroína. Morrem em Portugal vinte a vinte cinco pessoas por dia, por causa do álcool, directa ou indirectamente”.


[1] Termo utilizado para uma espécie de refeição, que consiste em se deitar num prato de sopa, ou numa malga, bocados de pão e regá-los, generosamente, com vinho. Há quem acrescente um pouco de leite.


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