É uma palavra bonita, mágoa. Sabe a lágrimas silenciosas, a noite de insónia, a manhãs de domingo solitárias e sem sentido. Está para lá da tristeza, da saudade, do desejo de lutar pelo que já se perdeu, da raiva de não ter o que mais se queria.
A mágoa chega, quando o cansaço já não nos deixa sentir mais nada. É silenciosa e matreira, instala-se sem darmos por ela, aloja-se no coração e começa a deixar sinais aqui e ali, dentro de nós. A pouco e pouco sentimos que já não somos a mesma pessoa. As cicatrizes podem esbater-se com os anos e serem remendadas com hábeis golpes de plástica, mas ficarão sempre debaixo dos excertos que fazemos à alma.
O cansaço mata tudo. A raiva de não termos quem tanto amámos, a fúria de não sermos donos da nossa vontade, o orgulho de termos perdido quem mais queríamos. Só não mata as saudades e a vontade de continuar a sonhar que um dia pode mudar outra vez e libertar-nos de nós mesmos e do sofrimento, tão grande quanto involuntário, tão patético quanto verdadeiro.
Às vezes, quando a mágoa é enorme e sufoca, vegetamos em silêncio para que ela não nos coma. Fingimos que está tudo bem, rimo-nos de nós próprios perante os outros e até mesmo perante o outro que vive dentro de nós. Tornamo-nos espectadores da nossa dor. Afastamo-nos de nós, do que somos, daquilo em que acreditamos. No fundo estamos a desistir como quem volta atrás porque tem medo do escuro, vencidos pela desilusão, cansados de esperar em casa que o mundo pare e se lembre de nós.
Mas o mundo nunca pára. Nada pára. A vida foge, os dias atropelam-se, é preciso continuar a vivê-los mesmo com dor, mesmo com mágoa. Pelo menos a mágoa, faz-nos sentir vivos. Arde no peito e no orgulho, mas pouco a pouco vai matando a dor. Torna-se a nossa companheira mais próxima, deixando de nos defender da tristeza, que se vai consumindo como uma vela esquecida num presépio morto que uma corrente de ar ou um novo sopro de vida um dia apagará. Mas isso só é possível quando conseguimos esquecer.
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