No mundo inteiro, os países e as sociedades definiram que a utilização de determinadas substâncias, por determinadas pessoas e por factores determinados, deve ser sujeita a controlo. Os tipos de substâncias, as pessoas, as circunstâncias variam de um lugar para outro, de uma cultura para outra.
Para a investigadora norte-americana Hellen Nowlis[1], tornou-se evidente, que o problema do consumo de qualquer substância, independentemente do tipo (o álcool incluído), está ligado às diferentes culturas e às diversas estruturas sociais e políticas, uma vez que as suas causas e as suas manifestações variam, consideravelmente, de um país para outro. Assim, para esta autora, existem três elementos fundamentais no uso de qualquer delas, legais ou ilegais, medicinais ou não medicinais: a substância; o indivíduo que a utiliza e o contexto social e cultural em que a sua utilização se insere. Seja qual for a maneira de abordar o problema, todos estes três factores devem ser levados em consideração. A acção baseada em apenas um deles, seja ele qual for, está votada ao fracasso.
Para o especialista em ciências sociais, são as variações do consumo no contexto social e cultural que constituem o factor complexo. Diferentes culturas e subculturas definem o consumo de diferentes maneiras, e a ele reagem de modos diferentes. Elas aprovam ou desaprovam o uso de certas substâncias. Elas decidem quem pode ou não utilizar uma dada substância, e sob que condições. Deste ponto de vista, as razões para o consumo são procuradas em factores tais como: reacções da sociedade aos problemas associados ao seu uso, fracasso das instituições e condições económicas e sociais.
Hellen Nowlis[2] preconiza quatro maneiras principais de encarar a utilização dessas substâncias e os seus três componentes interactivos (a substância, o utilizador e o contexto): o ponto de vista tradicional jurídico-moral, o ponto de vista médico ou de saúde pública, o ponto de vista psicossocial e o ponto de vista sócio cultural. Cada uma destas hipóteses tem implicações sobre a acção social, a educação, a prevenção, o tratamento, a legislação e a política a ser seguida.
Nos pontos seguintes serão sintetizados os argumentos que Hellen Nowlis utiliza para sustentar estes quatro modelos bem como outros pontos de vista defendidos por esta autora
Modelo Jurídico-Moral
A substância é considerada como o agente activo. O indivíduo é considerado como a vítima que, por falta de informação, de vontade ou de adaptação ao comportamento normal, deve ser protegido através de medidas legais que controlem o cultivo, a produção, a transformação, a manufactura, a distribuição, a venda, a partilha ou a possessão da substância em questão, e em alguns casos, a própria possessão dos instrumentos e materiais necessários à sua utilização.
Como principais meios de dissuasão são considerados: o controlo do acesso à substância; o controlo do seu preço; a punição ou a ameaça de punição e a divulgação de advertências quanto aos riscos físicos, psicológicos ou sociais implicados no seu uso.
Modelo Médico ou de Saúde Pública
Neste modelo a que Hellen Nowlis chamou de médico ou de saúde pública, e que tende a tomar cada vez mais o lugar do modelo jurídico-moral, a substância, o indivíduo e o contexto são considerados respectivamente como o agente, o hospedeiro e o meio-ambiente, numa transposição do esquema da doença infecciosa. A substância assume o papel de agente activo no seio dos três elementos fundamentais (substância/indivíduo/contexto).
Em relação ao modelo jurídico-moral, o modelo de saúde pública não introduz nenhuma distinção entre a legalidade ou a ilegalidade de uma substância, e por isso inclui frequentemente o álcool, a nicotina e a cafeína como geradores de dependência, embora os distinga das outras substâncias geradoras de dependência com base nas variáveis contextuais (sociais) que correspondem ao facto de que essas três substâncias são fáceis de se obter e de se utilizar. Diminuir a aceitação social e aumentar o preço das substâncias geradoras de dependência pode portanto tornar-se um meio de se limitar o seu uso como de controlar a sua facilidade de obtenção.
Segundo o modelo, os utilizadores compulsivos destas substâncias devem ser tratados e curados como se se tratasse de um problema médico. O consumo deve ser tratado de maneira preventiva, exactamente como se fosse uma doença infecciosa.
Modelo Psicossocial
O modelo psicossocial tende a dar mais ênfase ao indivíduo como o agente activo no esquema a três elementos (substância/indivíduo/contexto).
O uso da substância e o seu utilizador são considerados, dentro deste ponto de vista, como o factor complexo, dinâmico, tornando-se assim o ponto central das acções de intervenção, mais do que as próprias substâncias utilizadas. A utilização de determinada substância é um comportamento que, como qualquer outro, só persistirá enquanto desempenhar uma função para o indivíduo.
Deste ponto de vista, o contexto é concebido em termos da influência exercida sobre o utilizador pelas atitudes e pelos comportamentos de outras pessoas, seja individualmente, seja em grupos sociais como a família, os grupos de afinidade ou a comunidade. O contexto é visto aqui como algo que contribui tanto para o consumo e para os problemas a ele associados – através das concepções vigentes a respeito da utilização da substância e dos seus utilizadores – como para as reacções face a esse uso.
Modelo Sociocultural
Todos os que abordam a utilização de determinadas substâncias e os problemas a elas associados do ponto de vista sócio-cultural tendem a reconhecer e a acentuar a complexidade e a variação do factor contexto, entre os três já referidos (substância/indivíduo/contexto). Substâncias específicas ganham a sua significação e a importância não tanto pelas suas propriedades farmacológicas, mas sobretudo pela maneira segundo a qual uma dada sociedade define o seu uso e os seus utilizadores e a eles reage. Como em todos os comportamentos desviantes, os danos causados ao indivíduo podem ser provenientes tanto do próprio comportamento como da reacção da sociedade perante ele.
Este ponto de vista reconhece que tal comportamento varia necessariamente de uma cultura para outra, de uma subcultura para outra. Ele vai mais além do que os elementos sociais e psicológicos considerados como importantes no modelo psicossocial, para colocar em evidência ou acentuar, nas condições sócio-económicas e no meio-ambiente em que vive o indivíduo, as razões de uma pressão psicológica, sobre as quais será, necessariamente, senão essencialmente, orientada a intervenção.
Este modelo reconhece, no entanto, que apesar da tendência para se ver num comportamento repreensível o resultado dos aspectos repreensíveis do sistema social, muito do que é criticado está na verdade ligado inicialmente a coisas que são aprovadas e mesmo valorizadas. O conformismo, a competição, o sucesso, a produtividade, são às vezes facas de dois gumes.
Cada um destes modelos elaborados por Hellen Nowlis, representa um ponto de vista segundo o qual se pode encarar o uso de qualquer substância e os fenómenos a ele associados, conduzindo-nos a diferentes directivas e acções destinadas a compreender e a actuar sobre esse uso. Cada um deles representa uma lente de aumento, através da qual se observa a substância, o homem e a sociedade, as interacções entre esses elementos, o número e as espécies de distinções feitas no interior de cada elemento, a natureza da reacção de diversas instituições e profissões e a sua capacidade relativa de intervir com maior eficiência.
Se o objectivo for colocar determinada substância fora do alcance do homem, o papel preponderante será dado à legislação e à sua aplicação; se for o de manter o homem afastado dela, a responsabilidade caberá aos especialistas das ciências do comportamento; se for o de criar um quadro dentro do qual as necessidades a que corresponde o seu uso sejam melhor satisfeitas por algum outro comportamento que apresente menos perigos, que faça correr menos riscos ao indivíduo e à sociedade. Neste caso são as instituições e os que as animam que têm um papel a desempenhar.
Actualmente, assiste-se ao desenvolvimento de quatro tendências implementadas na definição tanto do uso destrutivo e socialmente reprovado de determinadas substâncias, como das maneiras pelas quais a ele reagir.
A primeira destas tendências consiste em definir os problemas em termos psicossociais, mais do que em termos farmacológicos, jurídicos ou médicos, e em interpretar cada vez mais o consumo de determinadas substâncias como um comportamento. A segunda consiste, quase sempre a contra gosto, em adoptar como objectivo principal não mais a prevenção, mas sim a redução dos problemas associados ao seu consumo sob uma forma destrutiva. A terceira consiste no desejo crescente, embora não radical, de colocar o uso de substâncias ilegais pelos jovens dentro do contexto do uso de todas as outras, legais ou ilegais, por pessoas de todas as idades. A quarta, estritamente ligada à terceira, consiste em incluir também o álcool entre a lista de substâncias e considerar as implicações do seu uso tanto pelos jovens como pelos adultos.
Pelo menos, isso denota uma vontade de considerar a possibilidade de que as soluções tradicionais, praticadas pelas instituições tradicionais, não têm tido êxito.
Cultura e Contexto Social – Sua importância
Para Hellen Nowlis qualquer concepção ou modelo sobre a utilização de determinadas substâncias, o álcool incluído, tem necessariamente algo em comum com todos os outros modelos ou concepções, pois os três elementos principais presentes em cada um deles são sempre a pessoa, a substância e o contexto social. O modelo psicossocial apresenta uma grande área comum com o sócio-cultural, pois alguns factores idênticos – interpessoais, sociais e culturais – são importantes em ambos os modelos. Daí a tentação de ampliar o modelo psicossocial recentemente desenvolvido, transformando-o num modelo psico-sócio-cultural, de forma que a pessoa, centro de interesse do modelo psicossocial, seja necessariamente vista como uma pessoa dentro de uma cultura ou subcultura, que ocupa um lugar único entre as várias e diferentes culturas e sub culturas do mundo.
Por outras palavras, a ampliação do psicossocial para incluir o cultural, fornece constantemente uma nova série de critérios que servem para lembrar a existência de diferenças importantes, valorizadas e totalmente relevantes entre as nações e as culturas, diferenças que podem inegavelmente transformar as relações entre os elementos substância/indivíduo/contexto assim como os tipos de soluções apropriadas aos problemas ligados ao seu consumo.
Desta forma, a cultura ou o contexto não só se tornam importantes na elaboração de respostas apropriadas ao uso de determinadas substâncias, como também poderão desempenhar um papel importante tanto na definição, como na criação ou na redução dos problemas associados ao seu consumo.
[1] NOWLIS, Hellen, (1979), A verdade sobre as drogas, Lisboa, Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga, (4ª edição), pp. 3 - 73
[2] NOWLIS, Hellen, (1979), A verdade sobre as drogas, Lisboa, Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga, (4ª edição), pp. 3 - 73
Amigo, estou procurando, aqui no Brasil, este livro que você cita de Helen Nowlis. NOWLIS, Hellen, (1979), A verdade sobre as drogas, Lisboa, Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga, (4ª edição), pp. 3 - 73
ResponderEliminarPoderia me ajudar?
Melquisedec Junqueira Hassen
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